quinta-feira, setembro 22

A propósito do Saraiva

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Tenho eu a ideia, quiçá incorrecta, de que a porção de intimidade que se desvenda num diário não deve ultrapassar a que se revela numa conversa entre amigos. Fazer estendal do privado parece-me sinal de fraco gosto e duvidosas maneiras, e embora possa decorrer daí um atractivo para o bisbilhoteiro, creio que bom número de pessoas prefere não chafurdar na lama alheia.
Num ângulo diferente se põe o problema da ficção. Quem lê um diário espera, e eu concordo, que o escrito corresponda fielmente ao acontecido. Ora como na minha, e na maioria das vidas, prevalece a rotina e são nela raros os momentos interessantes, não tenho outro remédio senão procurar dentro de mim próprio aquilo que de fora não recebo. Todavia, como a introspecção facilmente desagua em enfado, perguntei-me se haveria mal em salpicar o relato dum ou doutro dia com acontecimentos fictícios.
Para o leitor seria mais divertido, para mim mais variado, e até mais fácil. A falar verdade já o tentei, e surpreendeu-me o fraco resultado da experiência. Com provas dadas de ser capaz de inventar uma história, ou, quando é preciso, de fazer entorses à verdade, não consegui colorir com ficção a banalidade dos meus dias.
Pergunto-me por que será assim, mas nenhuma resposta me satisfaz. Resta a hipótese de que talvez me seja mais fácil mentir aos outros do que a mim próprio.