segunda-feira, abril 18

"Uma pessoa"

(Clique)
É coisa pouca, uma frase inócua, mas quando a encontro  involuntariamente se me dispara na cabeça um instantâneo da mentalidade de quem a diz ou escreve.
Foi há muito que a ouvi a um sujeito por quem tenho pouco respeito, mau grado o estimem como prócere da cultura nacional. Com um sorrisinho, afirmava ele numa roda onde abundavam os admiradores, que só escrevia à mão, e a lápis, acrescentando: "Depois há uma pessoa que passa aquilo à máquina".
Noutra altura um poeta, também esse homem de fama, contava numa entrevista: "Sempre caligrafei, e há mais de trinta anos com esta Montblanc. Primeiro tinha alguém que me dactilografava os poemas, agora há uma pessoa que passa tudo para o computador."
A mais recente é da importante jornalista, dizendo ao entrevistador: "Eu não queria largar a minha Olivetti e depois havia uma pessoa que passava da máquina para o computador."
Uma pessoa, alguém. Sempre um humilde anónimo, em geral uma anónima, a trabalhar na sombra destes "grandes",  tão inchados de prosápia que só a si se vêem.