terça-feira, outubro 11

Arraial

Foi num arraial, irá em quatro ou cinco anos, e quando presenciei a cena disse comigo que o sinal era mau. Delgadinha, bonita, radiante como uma rapariga pode ser aos vinte, fazia um lindo par com o moço que a prendia nos braços, ambos tão apaixonados no ritmo que os outros tinham deixado de dançar e ficaram a ver.
O espectáculo valia a pena. Houve bis e mais bis, alguém disse que um conjunto assim e um par daqueles, parecia  mesmo o filme do Travolta.
Rapaz pesadão e mole, o marido sorria com ternura, na sua ingenuidade de apaixonado não tinha olhos para o erotismo do par, o langor com que a mulher ora se abandonava ao outro, ora o incendiava com requebros, peito contra peito, os lábios quase a tocar-se, os olhos num ardor, as pernas entrelaçadas, os corpos em labareda.
Não assisti ao fim e recordo que me fui dali com o vago sentimento de que tinha presenciado algo mais que um jovem par entusiasmado na dança. O tempo, felizmente, parecia ter-me contradito, e quando meses atrás nos encontrámos no supermercado – conheço-a de miúda – tive de sorrir da vivacidade com que falou do trabalho na cooperativa, dos dois meninos que gerou, de como ainda um dia há-de fazer uma grande viagem por aí fora, ver mundo, escapar…
- Escapar a quê? – quis eu saber.
- A isto! Esta morte lenta!
Vi-a afastar-se, delgadinha, bonita, nada mudada desde a noite do arraial. Deu-me até a ideia de que a rodeava uma aura quando se voltou a acenar um adeusinho.
Disseram-me ontem que escapou. Ninguém sabe com quem, nem para onde, mas o que mais estranham é que tenha abandonado os filhos e levado o cão.