domingo, janeiro 31

O invejoso


Em cada geração da intelectualidade há sempre um curioso tipo: o invejoso. Perito na delicada arte de montar a sua reputação, enciclopédico nos interesses e no conhecimento, dotado de algum talento e cautelosamente arrimado ao Poder, cria ele fama e proveito de autoridade.

Manuseia com perícia a dosagem de cumprimentos, torna-se reverente para com o jovem poeta, aplaude o obscuro romancista que descobriu na Roménia, e assim vai elevando a própria estátua.

Anuncia urbi et orbi as suas andanças e raro passa ano em que, ora poesia, ora romance ou ensaio, não publique livro seu. Por vezes mais que um. Toda a gente o conhece, ninguém o lê, mas nunca ferra nem se agita, que isso são modos de que no Olimpo se desdenha.

Secretamente, porém, a sua vida é um inferno, pois dotado de inteligência e perspicácia ele sabe como poucos distinguir o trigo do joio. E sofre. E inconscientemente revela a inveja que o mortifica: quando enfrenta ou descobre noutro verdadeiro talento, bem podem tocar alto as trombetas, a sua ficará no saco.